Sermão fúnebre e homenagem póstuma
- Ribamar Diniz
- 13 de ago. de 2024
- 7 min de leitura
Maria Francisca Diniz Barbosa (Dona “Mariquinha”) - 1949-2024

Agradeço, em nome da família Diniz e Barbosa, a todos que vieram compartilhar nossa dor e homenagear nossa mãe.
Ao receber a triste notícia, num telefonema de meu irmão na madrugada do dia 08, pedi ao Senhor que me revestisse de forças para a despedida, para apoiar meus familiares e transmitir uma mensagem de conforto aos presentes.
Em meio aos sentimentos, sensações, dores e o enorme vazio que só conhece quem já passou por essa amarga experiência, decidi dirigir algumas palavras aos presentes.
A morte é uma experiência capaz de gerar reflexão sobre o valor da vida; oportunidade de homenagear quem se foi e buscar sentido ou experiência para prosseguir a jornada.
Hoje desejo falar sobre a vida, homenagear dona Mariquinha e falar de esperança. Se eu não conseguir até o final, peço que alguém leia essa curta mensagem.
“Há alguns anos, uma empresa de alimentos lançou um vídeo publicitário que emocionou milhares de pessoas. Nele, casais deveriam responder a seguinte pergunta: ‘Se você pudesse jantar com qualquer pessoa, viva ou morta, quem você escolheria?’ As respostas foram variadas: cantores, atrizes, comediantes, influencers, músicos e políticos foram mencionados em questão de segundos, provocando risos nos cônjuges. O que eles não sabiam é que a mesma pergunta havia sido feita a seus filhos e gravadas para lhes mostrar. Quando os pais viram as crianças no vídeo, não esconderam as expressões de supresa e curiosidade. O que elas responderiam? Artistas, esportistas, super-heróis? Unânimes, os filhos indicaram o desejo de jantar com a família: papai, mamãe e os irmãos. Não preciso dizer que os pais ficaram constrangidos e emocionados com a escolha. De repente, eles se deram conta de que as pessoas mais importantes para as crianças eram eles. A mensagem final da vídeo foi simples: ‘vamos dedicar tempo para as pessoas que mais importam’” (Revista Adventista, agosto de 2024, pág. 2)
Apesar de haver morado até os 21 anos com meus pais (especialmente com mãe); ter percorrido 1450 quilômetros de Belém a Juazeiro pra passar as férias com ela nos últimos 10 anos; além de muitas ligações, não foi suficiente. Precisava ter aproveitado mais. Uma de minhas preocupações em aceitar a missão que Deus me deu foi estar longe de mãe. Eu dormia no corredor, em frente a sua cama e a via adormecer e acordar. Lhe dava a benção e as primeiras palavras que ouvia, cada dia, era: “Deus dê saúde”. Acho que era o filho mais próximo e que “suportava” ela repetir suas histórias que todos aqui sabem de memória. Sempre que vinha a Juazeiro, a levava ao horto do Pe. Cícero, onde ela gostava de estar. Ela transitou pouco: Catirina, Juazeiro, Canindé, Recife… Mas por aonde viveu ou andou, exalou o perfume da bondade e simpatia, fazendo muitos amigos.
Aconselho os filhos que estão aqui a aproveitar a companhia de seus pais, enquanto podem. Vivemos em tempos sombrios, quando os celulares, as redes sociais e a inteligência artificial tem mais valor que estar perto, conversar, trocar um abraço e dizer eu te amo. Uma das grandes alegrias de mãe era receber seus irmãos, meus tios José e Damião, que viajavam do Pará para visitá-la sempre que podiam.
Há um mandamento que diz: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Que este princípio, ensinado por Jesus Cristo quando esteve na terra, nos guie a uma vida mais próxima daqueles que realmente importam.
A vida é um presente do eterno. A Bíblia Sagrada, livro que ficava na sua sala de estar, começa dizendo isso. Mãe gostava de ler a Bíblia e tinha episódios exclusivos sobre a vida de nosso Senhor, São Pedro e os apóstolos. Um dos mais engraçados foi a multiplicação de pães e peixes, numa versão para crianças… O padre estava pregando quando entrou um bêbado na Igreja. Ele se confundiu e disse: Jesus alimentou 5 pessoas com 5000 pães. O bêbado gritou: Assim é fácil. No dia seguinte, o padre corrigiu a informação. Disse aos fiéis: “Irmãos, eu errei no domingo. Jesus alimentou 5 mil homens com 5 pães”. O bêbado, que estava presente, gritou novamente: Também, com o que sobrou de ontem!
O texto sagrado dos cristãos inicia afirmando: “No princípio criou Deus os céus e a terra”. “Façamos o homem a nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gn 1:1;26)
Um ser dotado de amor, bondade e justiça decidiu nos criar para habitar esse planeta especial. Infelizmente, o ser humano pecou. São Paulo ensinou que “o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus” (Rm 6:23). Ao expulsar Adão e Eva do paraíso, veio a sentença: “Tu és pó e ao pó tornarás”. Felizmente a morte não é o fim. Há uma promessa para todos, especialmente para Flaviano, Francimar, Irismar, Águida, Juaniê (o filho do coração) e Seu Benedito (esposo). “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11:25).
Dona Mariquinha, nossa querida mãe, está morta, mas tornará a viver. Em breve, conforme o credo, oração que fazia parte de sua fé diz: “Creio em Deus, pai todo poderoso. Creio em Seu Filho Jesus Cristo, que nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi morto e sepultado, desceu a mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro Dia e um dia há de vir, julgar vivos e mortos. Creio na ressurreição da carne e na vida eterna amém.”
Nas palavras de Paulo: “Quando o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os vivos, os que ficarmos até a vinda do Senhor, de modo algum precederemos os que dormem, mas seremos arrebatados para o encontro do Senhor nos ares e assim estaremos para sempre com o Senhor (e uns com os outros). Consolai-vos, pois, uns aos outro com estas palavras”. (I Ts. 4:14-18)
Sei que é difícil… mas entregue seu coração a Cristo e se prepare para um feliz reencontro com mãe, por ocasião da gloriosa e iminente volta de Jesus.
Queria homenagear minha mãe. Devo tudo a ela. Nasci com uma deficiência no pé, mas sua fé a trouxe a Juazeiro. Deus me curou, pois ouviu sua prece. Flaviano cedo foi enviado pra estudar em Milagres. Nem deu muito trabalho, por conta de doenças até a adolescência, quando se tornou um homem forte e bem humorado. Maria recebeu uma banca no mercado para ganhar a vida. Águida todo o amor e mimos de uma filha caçula (e a casa onde mora hoje, onde também funcionou a Origem); os gêmeos, que morreram poucas horas após o nascimento, as lágrimas de uma mãe que não pode criá-los. Pai, apesar de um casamento com muitos problemas, recebeu a fidelidade e apoio de uma mulher seria, que foi ao altar da Igreja casar. Seu ato de amor supremo aos filhos e respeito ao marido pode ser um grande incentivo para todos que são casados ou que ainda casarão.
Mãe fez tudo por nós no sítio Santa Catarina e em Juazeiro, onde viemos morar em 1986, para continuar os estudos. Aqui ela, literalmente, “comeu o pão que o diabo amassou”, para nos manter seguros, alimentados e na escola. Houve ocasiões que ela deixou de comer para que nós fôssemos alimentados para a escola.
Mãe tinha um instinto protetor em relação aos filhos. Me obrigava a levar minhas irmãs a escola, mesmo elas já grandes. Sempre nos aconselhava a “ter cuidado”. Deu certo: Nenhum filho virou ladrão. Todos são gente de bem e trabalhadora. Espero que os netos façam o mesmo. Seu maior sonho era que nós estudássemos. Queria que eu fosse médico ou padre. Virei um pastor e escritor. Dediquei meu primeiro livro, dos 8 que escrevi, a ela. Quando fui matriculado do Ginásio Franciscanos, já tinha 9 anos e o Padre não queria me aceitar. Ela prometeu que eu não reprovaria. O padre aceitou, dizendo que se eu reprovasse ou fosse a diretoria, seria expulso. Na época ela não me disse isso. Foi uma grande lição de liderança. Lá em casa, todos somos líderes em nossos círculos de influência, devido as suas lições e exemplo.
No ensino médio mãe ficou uma noite na fila para conseguir uma vaga no Segundo Grau para mim. Graças a sua persistência, fiz 3 graduações, 2 mestrados e visitei 12 países. Minha irmã é professora concursada e meus irmãos se destacam em suas áreas de atuação profissional.
Marquinha foi mãe, agricultora, pecuarista, professora, comerciante, empreendedora. Teve comércio, escola, banca de verduras, de bombom. Sempre com muita garra, honestidade e alegria. O que apurava, valorizava. Graças a isso, Flaviano pode ter se tornado um empresário. Na adolescência, mãe vendeu uma grade de garrafas para a matrícula no curso de desenho e pintura do Instituto Universal Brasileiro. Meus irmãos também foram abençoados por sua generosidade e sacrifícios, em todas as suas trajetórias pessoais, familiares e nas crises.
Mãe queria uma família unida. Cresci participando de almoços que ela organizava na semana santa. Todos os filhos vinham participar. Foi aí que passei a amar o peixe que ela preparava. Infelizmente, com o tempo, ela deixou de fazer, porque ela ficava sozinha esperando. Espero que nós nos unamos e voltemos a almoçar juntos, ao menos uma vez por ano. Sua doença reaproximou todos. Meu apelo é que continuemos juntos, até o fim.
Carrego de meus pais o exemplo de “nunca ter visto um vendedor em nossa porta.”. Além de honesta, mãe era uma pessoa boa. Em casa, ela dizia que, quando houvesse dois pães, devíamos “comer apenas um, pois alguém podia chegar” e querer comer. Seus netos e os garotos da vizinhança provaram isso, ao receber pequenos presentes, dinheiro e bombons.
Mãe era uma mulher espirituosa e inteligente. Leitora de cordéis desde a infância, ela criava seus próprios versos e dava emoção as histórias que ouviu de seu Zé Diniz, seu avô querido.
Tinha um sexto sentido, simpatizando com alguns e afastando outros na primeira mirada. Como toda sertaneja, era forte, teimosa, sistemática, e durona. Em meio as perdas, injustiças e conflitos, permanecia como uma rocha em meio a tormenta. Mãe sofreu a vida toda e morreu sofrendo. Apesar disso, deixou um legado memorável para os filhos, compadres, afilhados (mais de 60), netos, amigos e vizinhos. Espero que possamos imitar seu bons exemplos. Talvez o maior seja o amor à família, ao trabalho e sobretudo a religião (e a Deus). Seus versos foram sua válvula de escape. A música (do Amado Batista), a terapia diária. Seu olhar baixo, às vezes distante, escondia as dores de uma mulher que soube enfrentar a vida com bravura. Ela conseguiu imprimir isso nos filhos.
Quem conviveu com Mariquinha, sabe o valor que ela tem. Quem já montou em “burro brabo” (como ela fez), não pode ter medo de viver. Nas horas finais, as últimas palavras, antes de ir a UTI, ouvidas por Maria foram “meu Deus, meu Deus”. Antes da morte não temos outro que nos possa acudir. Ela foi ouvida e hoje descansará numa sepultura, onde espero encontrá-la para abraça-la de novo, quando Deus criar novos céus e nova terra. Em breve, “Deus enxugará de (nossos) olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram.” (Ap. 22:4).
De seu filho Ribamar Diniz
Fortaleza, 08 de agosto de 2024
Comments