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O vestuário no Adventismo I: princípios bíblicos

Foto do escritor:  Ribamar Diniz Ribamar Diniz

Introdução

Ultimamente assuntos relacionados ao estilo de vida não tem despertado muito interesse entre os adventistas do sétimo dia. Embora existam algumas congregações e grupos conservadores preocupados com a questão, além de movimentos dissidentes que polarizam a discussão, pouco se tem escrito e dialogado sobre a modéstia cristã, a reforma pro-saúde, a recreação apropriada, entre outros temas considerados importantes na mentalidade adventista do século passado. Há (ainda) espaço para a modéstia entre os adventistas?


Esse artigo visa discutir uma área do estilo de vida adventista (o vestuário). O assunto será abordado desde as perspectivas bíblica (princípios), dos escritos de Ellen White (conselhos) e das recomendações da Igreja (votos e diretrizes). iremos dividir a série em três, publicando semanalmente aqui no blog. Antes, porém, é necessário reconhecer os esforços da Igreja Adventista do Sétimo Dia na promoção do estilo de vida cristão entre seus 22 milhões de membros. Evidências disso podem ser vistas na publicação do documento “Estilo de Vida Cristã Adventista” [1] e do extenso artigo “Estilo de Vida e Conduta Cristã” [2], no Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, só para citar dois exemplos. Apesar do empenho da Igreja [3], o mesmo ardor na promoção e vivência do que propõe tais documentos não é percebido em muitos, em nossos arraiais.

Falta de modéstia: um problema real e grave

Nos últimos anos, lamentavelmente, testemunhamos um abandono progressivo nas normas cristãs relacionadas a modéstia [4] como nunca antes em nossa história. Isso constata-se no descaso com o vestuário e uso de adornos, bem como na exposição exagerada de muitos membros nas redes sociais. Por essa razão, o pastor Érico Tadeu Xavier escreveu na Revista Adventista algo que reflete o pensamento de muitos pastores, anciãos e membros comprometidos com a defesa do nosso “bom testemunho”.

“Estamos presenciando uma verdadeira enxurrada de moda indecente e do uso de joias e pinturas em nossas igrejas e instituições de ensino. O silêncio e a omissão sobre o tema têm sido eloquentes por parte dos nossos líderes, pastores e professores. Poucos são os que se preocupam em orientar e doutrinar a igreja nesses aspectos da vida cristã. Segundo Ellen White, o orgulho manifestado por meio do vestuário é um motivo de disciplina eclesiástica (Testemunhos Seletos, v. 1, p. 600) e a ‘reforma no vestir seria um fator de distinção do povo de Deus’ (Testemunhos para a Igreja, v. 3, p. 171). Por isso, reavivamento sem reforma é apenas barulho e oba-oba.” [5]

Samuel Bacchiocchi, eminente teólogo adventista, afirmou que,

“a escassez de literatura recente, bem como do ensino e pregação sobre o tema, mostram que o problema já não é encarado como índice importante do caráter cristão. Muitos cristãos creem sinceramente que o cristianismo não consiste em formas exteriores. Por isso sentem-se livres para vestir e adornar seus corpos como preferirem, já que isso não tem nada a ver com sua espiritualidade. Não é incomum ver pessoas mesmo na igreja, vestir-se descuidada e imodestamente.” [6]

Embora o problema seja real, nosso objetivo não é constranger, expor ou condenar membros que não conhecem, não vivem ou não se preocupem com o vestuário, mas apresentar o que as Escrituras, Ellen White e a Igreja ensinam sobre o assunto, para cada um tomar sua decisão. Além disso, de maneira despretensiosa e respeitosa, ampliar a reflexão a respeito do tema e aguardar o trabalho do Espírito Santo, o único capaz de produzir mudanças pessoais e coletivas (Ez 37:1-14). Na questão do vestuário, bem como em qualquer outra mudança, “precisa haver um reavivamento e uma reforma sob a ministração do Espírito Santo.” [7]

Princípios Bíblicos

Embora alguns aleguem que o vestuário não é relevante para a vida cristã, imaginando que cada um deve decidir sobre que tipo de roupa deve usar, as Escrituras devem ser nosso padrão de conduta. Embora a maioria dos adventistas creiam que a Bíblia é sua regra de fé (doutrina), alguns não mais a veem como sua regra de prática (estilo de vida). Há quem defenda a ortodoxia das Escrituras, mas não sua ortopraxia. Quais seriam, então, os principais princípios bíblicos sobre o vestuário?

O assunto das vestes, na Bíblia, tem vários matizes. Além da questão do decoro e da proteção da saúde, há elementos simbólicos relacionados ao uso de vestimentas por parte de homens e mulheres [8]. “Deus proveu as primeiras roupas para Adrão e Eva e sabe que necessitamos de roupas adequadas nos dias de hoje (Mt 6:25-33)”. [9] Como bem afirmou Bacchiocchi: “Na Bíblia, as roupas ou ausência delas (nudismo) servem para representar a condição espiritual dos seres humanos perante Deus e a Sua glória.” [10]


Essa primeira menção a roupas na Bíblia foi a solução divina para a perda da veste gloriosa original de Adrão e Eva. Após o primeiro pecado “a veste de luz que os rodeara, agora desapareceu; e para suprir sua falta procuraram fazer para si uma cobertura, pois enquanto estivessem desvestidos, não podiam enfrentar o olhar de Deus e dos santos anjos.” [11]

Ellen White explica o objetivo daquela primeira roupa: “A atmosfera, que fora tão amena e constante em sua temperatura, estava agora sujeita a assinaladas mudanças, e o Senhor misericordiosamente lhes proveu uma veste de peles, como proteção contra os extremos de calor e frio.” [12] Além de manter a saúde do casal, aquelas vestes de cordeiro simbolizavam a justiça de Cristo, que cobria seu pecado (Ver Jo 1:29). [13] Posteriormente as vestes e joias assumiriam um simbolismo espiritual, indicando externamente o declínio ou reavivamento do povo de Deus (Gn 35:2,4; Ex 3:5,6; Ap 12:1; 17:1-6)


No restante das Escrituras, se pode notar que esses três elementos (a proteção da saúde, a preservação do decoro e o sentido simbólico), são apresentados literal ou metaforicamente. Na proteção da saúde se pode mencionar o pedido de Paulo a Timóteo para trazer sua capa (2 Tm 4:13; 21), que seria usada contra os rigores do inverno; no aspecto de decoro se pode citar a atitude de Raquel, ao cobrir-se com o véu ao encontrar-se com Isaque, seu futuro esposo (Gn 26:65) [14] e o elemento simbólico pode ser visto na visão do sumo sacerdote Josué, quando suas “vestes sujas” foram trocadas por “um turbante limpo” e “trajes próprios”, representando a absolvição do pecado (Zc 3:1-5). [15]

Alguns princípios bíblicos sobre modéstia

Além dos elementos gerais, princípios específicos podem ser encontrados nas Escrituras sobre o uso apropriado do vestuário, em todos os tempos e lugares. As duas passagens que resumem tais princípios são 1ª Timóteo 2:9-10 e 1ª Pedro 3:3-5 [16].


A Bíblia nos orienta a usar traje decente, o que inclui modéstia e bom senso, evitando cabeleira frisada (refere-se a um penteado que incluía trançar o cabelo com ouro e outros adornos [17], joias de qualquer espécie [18] ou ostentação nas roupas (1 Timóteo 1:9-11).

O apóstolo Pedro se refere ao mesmo princípio da simplicidade em 1 Pedro 3:3-5. Segundo a Bíblia Andrews a passagem pode ser compreendida assim: Não se adornem exteriormente. 1. Fazendo penteados no cabelo (penteados exagerados da época). 2. Usando ouro (joias com colares, brincos, pulseiras, etc.). 3. Vestindo roupas caras, que enfatizem a posição social e criem diferenças sociais dentro da igreja. [19]


Comentando a passagem bíblica de 1 Coríntios 11:14 a Bíblia Andrews esclarece que “quando o homem usa cabelo comprido pode ficar parecendo mulher. O cabelo comprido tem aparência feminina. As diferenças entre homem e mulher devem ser mantidas conforme cada época e lugar.” [20] Outro princípio importante e válido apresentado pelo apóstolo Paulo em 1 Coríntios 10:32-33 esclarece que deveríamos evitar que nossa conduta cause escândalo dentro ou fora da igreja.


O Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia [21], destaca o significado das palavras chaves nesses versos. Traje decente (gr. aidos) “autorrespeito”, “modéstia”. Ataviem (gr. kosmeo) “colocar em ordem”, “organizar”. Modéstia (gr. kosmios), “bem organizado”, “de bom gosto”, portanto, “adequado” no sentido de discreto. Bom senso. Integridade mental, domínio próprio. Cabeleira frisada. (gr. plegma), alguma coisa “tecida”, “entrelaçada”, “trançada”. Qualquer estilo de cabelo demasiado chamativo é uma violação ao princípio aqui estabelecido. No entanto, o cabelo descuidado também chamaria a atenção. Adorno (gr. kosmos) “ornamento”, “decoração”. A palavra portuguesa “cosméticos” deriva de kosmos. “Não é adequado à mulher cristã fazer demonstração de vestes e ornamento a fim de atrair a atenção para sim. Seu maior atrativo deve ser a conduta limpa.” [22]


Quanto a alusão a ouro, pérolas, ou vestuário dispendioso:

“O propósito do adorno dispendioso, qualquer que seja, é chamar a atenção. É sempre uma expressão de egocentrismo e, às vezes, do desejo de chamar indevidamente a atenção do sexo oposto. Na escolha do que vestir, o cristão deve ser guiado pelos princípios de modéstia, adequação e utilidade. Os gastos que ultrapassam esse ideal são incompatíveis com os princípios de mordomia cristã. A ostentação reflete vaidade pessoal e egoísmo, em desarmonia com a súplica de Paulo em favor do respeito próprio e decoro cristão.” [23]

Os apóstolos Paulo e Pedro, com autoridade apostólica, apresentam o padrão de conduta no vestir, que deveria ser seguido por todo discípulo de Jesus Cristo, seja homem ou mulher. O objetivo principal deles, como se pode notar, é desestimular o uso de adornos exteriores e incentivar a adoção dos enfeites interiores. É apontar a natureza externa e interna da religião, [24] e contrastar “o adorno pessoal, que é exterior e não agrada ao Senhor, e aquele que é interior e agrada ao Senhor.” [25]

Ribamar Diniz

É pastor, escritor e editor. Atualmente é mestrando em Teologia pelo SALT/FADBA, membro da Sociedade Criacionista Brasileria e pastor distrital na Missão Pará Amapá. Seus artigos podem ser lidos em www.ribamardiniz.com.

Referências:

[1] Revista Adventista: edição especial. Projeto da Divisão Sul Americana. Documento “Estilo de Vida Cristã Adventista” - Voto DSA 2012-383. Tatuí, são Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2012. [2] Raoul Dederen, ed. Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2011), capítulo 19, 748-802. [3] Outra excelente iniciativa é a série Falando de Esperança, especialmente o episódio “Os adventistas e a modéstia cristã”, apresentado por Erton Koller, presidente da Divisão Sul Americana. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=V18auKBqqJY (Acesso: 18 de agosto de 2020). A Revista adventista em português tem tratado equilibradamente o assunto, a décadas. Um exemplo recente é http://www.revistaadventista.com.br/blog/2014/12/22/beleza-discreta/ (Acesso: 18 de agosto de 2020). [4] Para Samuele Bacchiocchi “existem muitos membros sinceros que estão sinceramente fazendo o que é errado. Eles creem que não há nada de errado no sexo pré-marital, contanto que os parceiros se amem. Eles sinceramente creem que os cristãos podem assistir filmes violentes ou pornográficos, contanto que não se envolvam emocionalmente com eles. Eles sinceramente creem que podem ouvir rock, em suas várias modalidade, contanto que o ritmo não se tão force [sic] ou as palavras não sejam muito profanas. Eles sinceramente creem que podem ser divorciar se seu cônjuge se eles não sentem mais satisfação em seu relacionamento. Eles sinceramente creem que podem consumir uma quantidade moderada de álcool e drogas, contanto que não se viciem. Eles sinceramente creem que podem usar diferentes tipos de joias, contanto que não seja berrantes ou muito caras. Esse é o tipo de pessoa que frequentemente me pergunta: ‘O que há de errado com...’” Samuele Bacchiocchi, Qual a roupa certa? 1ª ed (Itupeva, São Paulo: Editora Tempos Ltda, 1997), 6. [5] Revista Adventista, março de 2020, p. 4. [6] Bacchiocchi, Qual a roupa certa?, 15. [7] Ellen G. White, Review and Herald, 25 de fevereiro de 1902. [8] “Durante milênios a roupa serviu principalmente para cobertura e proteção. Em círculos abastados também era considerado elemento estético. Mas a roupa também pode ser usada a ostentação. Os cristãos não se opõem a beleza e ao bom gosto, mas procuram em seu estilo de vida evitar a escravidão à moda e à ostentação.” Dederen, Tratado de teologia Adventista do Sétimo Dia, 784. [9] Nisto cremos: as 28 crenças fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia (org.). Trad. Helio L. Grellmann, 10ª ed. (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2018), 361.

[10] Bacchiocchi, Qual a roupa certa?, 18. [11] Ellen G. White, Patriarcas e profetas: o conflito entre o bem e o mal, ilustrado na vida de homens santos da antiguidade, 16ª ed., (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2013), 57. [12] White, Patriarcas e profetas, 57. [13] Jhonathan James de Sousa, “’Túnicas de pieles’: vestimenta do simbólica de la justicia de Crist em Génesis 3:21.” em Heber Pinheiro, Efraim Choque, Clara Carvajal, Samuel Huamán, ed.s, Cristología: VII Simposio Bíblico Teológico Sudamericano (Cochabamba: Editorial UAB, 2009), 79-83. [14] O véu era um sinal de “de recato e respeito, era grande o suficiente para envolver tanto o rosto quanto o corpo.” Charles C. Ryrie, ed. A Bíblia Anotada: edição expandida (São Paulo: Mundo Cristão; Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2007), Nota sobre Gn 24:65. [15] A veste talar que Jacó presenteou a José e as vestes dadas ao filho pródigo são outros exemplos. [16] Uma exposição mais ampla é provida por Bacchiocchi em Qual a roupa certa? 39-48 e Ángel Manuel Rodríguez, O uso de joias na Bíblia (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2012), 64-94. [17] A lista começa com ‘estilos elaborados de cabelo’ porque no mundo judeu e romano daquela época, as mulheres empregavam muito tempo no cuidado de seus cabelos, arranjando-os de várias formas, de acordo com a moda prevalecente. Enfeitavam seus cabelos com palhetas de fios de ouro ou tecidos bem trabalhados. Não nos é dito se a mulher romana gostava de usar os prendedores de cabelo de doze centímetros de comprimento criados em Corinto. ‘Haviam tantas maneiras de adornar o cabelo como havia abelhas em Hybla. Faziam-se ondas no cabelo, tingiam-se algumas vezes de preto, mas mais frequentemente de ruivo. Usava-se tranças, especialmente loiras...arcos de cabeço, presilhas e pentes eram feitos de marfim, madeira e casco de tartaruga; algumas vezes eram fabricados em ouro e enfeitados com pedras preciosas.” Bacchiocchi, Qual a roupa certa? 44. [18] Bíblia de estudo Andrews (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2016), comentário sobre 1 Timóteo 1:9-11). O uso da aliança de noivado e casamento, não é condenada pela igreja em países onde seu uso se constituiu em um princípio de virtude. [19] Bíblia de estudo Andrews, comentário sobre 1 Pedro 3:3-5. [20] Bíblia de estudo Andrews, comentário de 1 Coríntios 10:32-33. [21] Francis D. Nichol, Ed. Comentário bíblico adventista do sétimo dia, volume 7 (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 302-303, 622-623. [22] Nichol, Comentário bíblico adventista do sétimo dia, 622. [23] Nichol, Comentário bíblico adventista do sétimo dia, 303. [24] Nichol, Comentário bíblico adventista do sétimo dia, 303. [25] Ángel Manuel Rodríguez O uso de joias na Bíblia, (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2002), 65.

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