
É possível pastorear na quarentena?
A atual pandemia por coronavírus trouxe uma nova realidade para o trabalho pastoral. O desafio é maior do que alguns imaginam. Durante o isolamento social, o pastor não tem acesso aos membros no templo, não pode visitá-los nos lares e não consegue fazer reuniões com seus líderes. Eles precisam adaptar-se rapidamente a nova realidade, embora não tenham sido treinados para isso no seminário.
Antes de compartilhar algumas ideias a respeito, é preciso saber se é possível executá-las. As restrições impostas pelas autoridades não deveriam manter pastores em casa, apenas estudando suas bíblias e orando? Pessoalmente, creio que não. Não apenas é possível pastorear na quarentena, mas imprescindível fazê-lo. Ainda que a maior parte do trabalho seja online, os pastores não estão de “férias” durante a pandemia do novo coronavírus.
Fora períodos de intolerância religiosa, sofrimento por perdas ou crises pessoais ou espirituais, talvez o momento atual seja a fase em que os cristãos mais precisam de seus pastores. Os problemas de saúde, emocionais, financeiros e de relacionamento ocasionados pela pandemia e o subsequente isolamento social fragilizaram a Igreja. Esse período exige uma atenção especial daqueles que foram chamados para pastorear a igreja de Deus (At 20:28; 1ª Pe 5:2). O pastor não pode pensar que seu trabalho se resume a pregar sermões presenciais. É sua “incumbência cuidar e supervisionar o rebanho, bem como organizar os assuntos da igreja de modo que todos tenham o que fazer” [1], mesmo depois do surgimento da covid-19.
O pastoreio não depende de circunstâncias favoráveis. Lembre-se do exemplo do apóstolo Paulo. Ele pastoreou a igreja, apesar de preconceito, discriminação, crises financeiras, agitação social, perseguição, questionamentos ao seu ministério, etc. (2ª Co 4-6) Até durante um naufrágio o apóstolo preocupou-se com as pessoas ao seu redor (At 27:27-44).
Quando o acesso aos crentes não era possível, Paulo enviava cartas ou mensagens, com encorajamento e orientações para a Igreja (2ª Co 2:1-4; Fl2:12-13). As epístolas de Efésios, Filipenses, Filemon e Colossenses foram escritas no cárcere [2]. O isolamento involuntário não o impediu de manter-se ativo e produtivo. Isso ilustra a responsabilidade dos ministros atuais para com a Igreja e comunidades. Embora Paulo evitasse riscos desnecessários (At 23:12-20), ele se arriscou quando não havia outra alternativa (At 16:16:16-23). Os pastores não devem, durante a pandemia, desrespeitar as orientações das autoridades (ver Rm 13:1-4), ser negligentes com as medidas preventivas ou irresponsáveis na disseminação do vírus. Entretanto, para pregar o evangelho corremos riscos, indubitavelmente. Se você é pastor e não sabe o que fazer, seguem algumas dicas simples, pensadas no contexto adventista.
Ideias para pastorear na quarentena [3]
1. Elabore um plano para a quarentena. Seu planejamento para atividades presenciais será ineficiente durante o isolamento social. Reúna-se virtualmente com seus líderes e elabore novas atividades, alvos e metas. Caso a quarentena demora muito tempo, pense num plano B, em consulta com a administração do campo.
2. Migre provisoriamente para o pastoreio digital. Devido as recomendações das autoridades, que limitam concentrações, transmita cultos, realize lives, grave vídeos, organize reuniões usando os meios digitais. Para os irmãos sentirem a proximidade do pastor, faça chamadas em vídeos e ore pelas famílias. Produza bons materiais e seja seletivo, ao indicar materiais e links. Evite confundir o rebanho com materiais em excesso. Promova no máximo duas opções de culto online para não saturar e levar a Igreja a perder o interesse ou atenção.
3. Troque ideias com outros pastores, profissionais e pessoas experientes. Não se isole. Veja o que outros colegas, distritos e campos estão fazendo para atender a Igreja. Copie as melhores ideias. Não sofra sozinho e não seja independente. Siga as diretrizes de sua organização superior.
4. Não perca de vista o rebanho. Há o perigo do rebanho se dispersar, desanimar, ser alvo de dissidentes, charlatões ou outros perigos. Faça contato frequente com seus liderados e membros das igrejas. Divida as famílias de cada igreja por ancião, para que eles possam ajudá-lo nesse processo. Dê atenção especial a profissionais de saúde, jovens, recém-batizados e pessoas do grupo de risco.
5. Conscientize as famílias que cada lar é uma igreja. Cadastre cada igreja lar, escolha um responsável (o pai de família). Se comunique frequentemente com ele, para orientá-lo como realizar os cultos e tirar dúvidas. Tente fazer um trabalho personalizado com cada igreja lar.
6. Adapte seu calendário homilético. Esteja atento ao conteúdo das mensagens pregadas. Veja o que pregadores adventistas de destaque (Alejandro Bullón, Luís Gonçalves, etc.) e evangélicos equilibrados estão falando (Hernandes Dias Lopes, Augusto Nicodemos etc.) para seguir a mesma linha. Falar apenas sobre escatologia pode assustar ainda mais as pessoas, que estão confusas. O ideal é pregar mensagens que transmitem esperança, segurança, fé, certeza e não dúvida ou medo. Embora o estudo das profecias também seja necessário nesse período, deve ser feito com equilíbrio e na proporção certa, tendo Cristo como foco.
7. Motive a fidelidade cristã. Se durante a quarentena cada lar é uma igreja, oriente o recolhimento de dízimos e ofertas em cada culto (sábado, domingo e quarta) e oriente os tesoureiros recolherem as doações, semanalmente. Outra opção para motivar a fidelidade é ensinar os membros usarem o aplicativo Seven-Me e as contas bancárias do campo.
8. Seja solidário. Veja o que autoridades locais e a ADRA podem fazer pelos mais carentes. Promova uma campanha de arrecadação de alimentos e produtos de higiene para distribuir entre pessoas necessitadas.
9. Proponha desafios espirituais. Comece priorizando sua própria vida espiritual. Mantenha sua rotina e intensifique os momentos devocionais e de estudo. Isso vai prepará-lo para atender a Igreja nessa crise, a receber sabedoria (Tg 1:5) e manter o ânimo. Ore pela Igreja e desafie seus membros para um jejum, vigília, corrente de oração, etc. Mantenha a Igreja buscando a Deus. Alguns lugares tem organizado camporis online, cultos JA, e outras atividades. Viralize esperança, promovendo o evangelismo oferecido pela Divisão Sul Americana e TV Novo Tempo.
10. Ensine o empreendedorismo na crise. Oriente os irmãos, caso perdura a crise ou percam seu emprego depois, a ganhar dinheiro de outras formas. Home office, empreendedorismo, vendas pela internet, etc. Indique ou promova palestras e cursos sobre como superar a crise financeira. Ajude aqueles que tem dificuldades a buscar os auxílios emergenciais do governo.
11. Adiante processos digitais. Aproveite para capacitar a igreja a realizar transmissão de cultos e usar mais eficientemente as redes sociais. As igrejas que não estão fazendo isso, perderam a relevância. Oriente os irmãos a não se arriscarem postando qualquer coisa, lembrando a eles que o conteúdo armazenado pode gerar problemas para a igreja posteriormente. Aproveite para, com sua equipe, revisar secretaria, cadastro de membros, patrimônio, orçamentos, diagnóstico espiritual, histórico e outros processos que envolvam sistemas eletrônicos ou possam ser feitos em casa.
13. Atenda as emergências. Realize presencialmente aquilo que não pode ser feito a distância. Jesus orientou seus discípulos a visitar e orar pelos enfermos. Isso certamente inclui os infectados da covid-19. Alguns ritos como a unção de enfermos, o batismo de pessoas convertidas e os funerais não podem ser feitos online. Apesar dos possíveis riscos, confie na proteção de Deus (ver Mt 28:20; At 28:3-6; Mc 16:117-18) e esteja presente quando os irmãos mais precisarem.
Tenho uma recomendação final. Seja exemplo durante a pandemia. Cuidando da saúde e orientando os membros a fazer o mesmo. Acompanhando a saúde emocional dos membros. Há sites que oferecem atendimento psicológico gratuito, atualmente. Seguindo estritamente as regras de isolamento. Oferendo o templo para auxiliar as autoridades de saúde. Evitando polemizar a crise e envolver-se com debates políticos. Transmitindo fé, paz e equilíbrio.
Nesse aspecto, uma carta de Martinho Lutero, escrita em 1527, durante a “Peste Negra”, é apropriada para os pastores modernos, nesse momento que exige prudência, bom senso e confiança em Deus.
“Pedirei a Deus para, misericordiosamente, proteger-nos. Então farei vapor, ajudarei a purificar o ar, a administrar remédios e a tomá-los. Evitarei lugares e pessoas onde minha presença não é necessária para não ficar contaminado e, assim, porventura infligir e poluir outros e, portanto, causar a morte como resultado da minha negligência. Se Deus quiser me levar, ele certamente me levará e eu terei feito o que ele esperava de mim e, portanto, não sou responsável pela minha própria morte ou pela morte de outros. Se meu próximo precisar de mim, não evitarei o lugar ou a pessoa, mas irei livremente conforme declarado acima. Veja que essa é uma fé que teme a Deus, porque não é ousada nem insensata e não tenta a Deus.” [4]
Ribamar Diniz é mestrando em Teologia (SALT-FADBA) e pastor distrital na Missão Pará Amapá.
Referencias:
[1] Ellen G. White, Review and Herald, 31 de maio de 1887.
[2] Bíblia de estudo Andrews (Tatuí, São Paulo: CPB 2015), Introdução ao livro de Colossenses, 1550.
[3] Os itens 6 e 10 foram ideias compartilhadas por um adventista do Maranhão, que preferiu não ser identificado.
[4] Luther’s Works, Vol. 43, Fortresse Press, 1968, p. 116. Citdo em https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/diante-da-crise-do-coronavirus-o-que-as-igrejas-podem-fazer/ (Acesso: 11/04/2020).
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